Jorge Araujo - 13/10/09 at 05:10 pm
(Juiz do Trabalho, professor universitário e de cursos de pós-graduação. Autor de artigos em revistas jurídicas e jornais, editor do blog: http://direitoetrabalho.com/2009/10/projeto-obriga-politicos-a-matricular-filhos-em-escolas-publicas/ e do Athena de Vento.)
O Senador Cristóvão Buarque apresentou um projeto de lei que, embora bem intencionado, certamente o conduzirá ao Inferno.
O projeto é aquele já referido em diversas discussões, em que se obrigariam os políticos a matricular seus filhos em escolas públicas. Pelos fundamentos o ilustre senador acredita que isso faria melhorar o ensino público.
No entanto não é tão simples assim. Em primeiro lugar esquece o ilustre parlamentar que os filhos de políticos costumam ter uma mãe que pode não ser política. Obrigá-la a algo em virtude do exercício do mandato de seu marido, e ainda com conseqüências na educação de seus pimpolhos, é algo que parece não encontrará guarida na Constituição.
Ainda que assim não fosse se poderia estar gerando um carossel da alegria: obrigados a matricular seus filhos em escolas públicas, com certeza estes mesmos políticos teriam garantidos aos seus rebentos a educação em tais condições durante toda a sua vida estudantil (embora a redação original refira a educação básica). O que corresponderia, por conseguinte, ao ingresso extravestibular nas cobiçadas universidades públicas, as quais, por coincidência, ficam nas capitais de estados e país.
Ou seja os eleitos para parlamentos e executivo estadual, bem como os detentores de cargos federais garantiriam as vagas de seus descendentes nas universidades públicas, o que, se somando a cotistas e outros quetais, excluiria inteiramente a possibilidade de você, cidadão comum, pleitear uma vaga qualquer em uma universidade pública, caindo, literalmente, na privada.
Abaixo o projeto “genial”.
PROJETO DE LEI DO SENADO Nº , DE 2007
Determina a obrigatoriedade de os agentes públicos eleitos matricularem seus filhos e demais dependentes em escolas públicas até 2014.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Os agentes públicos eleitos para os Poderes Executivo e Legislativo federais, estaduais, municipais e do Distrito Federal são obrigados a matricular seus filhos e demais dependentes em escolas públicas de educação básica.
Art. 2º Esta Lei deverá estar em vigor em todo o Brasil até, no máximo, 1º de janeiro de 2014.
Parágrafo Único. As Câmaras de Vereadores e Assembléias Legislativas Estaduais poderão antecipar este prazo para suas unidades respectivas.
JUSTIFICAÇÃO
No Brasil, os filhos dos dirigentes políticos estudam a educação básica em escolas privadas. Isto mostra, em primeiro lugar, a má qualidade da escola pública brasileira, e, em segundo lugar, o descaso dos dirigentes para com o ensino público.
Talvez não haja maior prova do desapreço para com a educação das crianças do povo, do que ter os filhos dos dirigentes brasileiros, salvo raras exceções, estudando em escolas privadas. Esta é uma forma de corrupção discreta da elite dirigente que, ao invés de resolver os problemas nacionais, busca proteger-se contra as tragédias do povo, criando privilégios.
Além de deixarem as escolas públicas abandonadas, ao se ampararem nas escolas privadas, as autoridades brasileiras criaram a possibilidade de se beneficiarem de descontos no Imposto de Renda para financiar os custos da educação privada de seus filhos.
Pode-se estimar que os 64.810 ocupantes de cargos eleitorais – vereadores, prefeitos e vice-prefeitos, deputados estaduais, federais, senadores e seus suplentes, governadores e vice-governadores, Presidente e Vice-Presidente da República – deduzam um valor total de mais de 150 milhões de reais nas suas respectivas declarações de imposto de renda, com o fim de financiar a escola privada de seus filhos alcançando a dedução de R$ 2.373,84 inclusive no exterior. Considerando apenas um dependente por ocupante de cargo eleitoras.
O presente Projeto de Lei permitirá que se alcance, entre outros, os seguintes objetivos:
a) ético: comprometerá o representante do povo com a escola que atende ao povo;
b) político: certamente provocará um maior interesse das autoridades para com a educação pública com a conseqüente melhoria da qualidade dessas escolas.
c) financeiro: evitará a “evasão legal” de mais de 12 milhões de reais por mês, o que aumentaria a disponibilidade de recursos fiscais à disposição do setor público, inclusive para a educação;
d) estratégica: os governantes sentirão diretamente a urgência de, em sete anos, desenvolver a qualidade da educação pública no Brasil.
Se esta proposta tivesse sido adotada no momento da Proclamação da República, como um gesto republicano, a realidade social brasileira seria hoje completamente diferente. Entretanto, a tradição de 118 anos de uma República que separa as massas e a elite, uma sem direitos e a outra com privilégios, não permite a implementação imediata desta decisão.
Ficou escolhido por isto o ano de 2014, quando a República estará completando 125 anos de sua proclamação. É um prazo muito longo desde 1889, mas suficiente para que as escolas públicas brasileiras tenham a qualidade que a elite dirigente exige para a escola de seus filhos.
Seria injustificado, depois de tanto tempo, que o Brasil ainda tivesse duas educações – uma para os filhos de seus dirigentes e outra para os filhos do povo –, como nos mais antigos sistemas monárquicos, onde a educação era reservada para os nobres.
Diante do exposto, solicitamos o apoio dos ilustres colegas para a aprovação deste projeto.
Sala das Sessões,
Senador CRISTOVAM BUARQUE
Fonte: DireitoeTrabalho.com
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Luiz Carlos Nogueira, informa e comenta:
PLS - PROJETO DE LEI DO SENADO, Nº 480 de 2007
Autor: SENADOR - Cristovam Buarque
Ementa: Determina a obrigatoriedade de os agentes públicos eleitos matricularem seus filhos e demais dependentes em escolas públicas até 2014.
Data de apresentação: 16/08/2007
Situação atual: Local: 02/09/2009 - Comissão de Constituição, Justiça e CidadaniaSituação: 17/04/2009 - AGUARDANDO INSTALAÇÃO DA COMISSÃO
Indexação da matéria: Indexação: FIXAÇÃO, OBRIGATORIEDADE, AGENTE PÚBLICO, OCUPANTE, CARGO ELETIVO, EXECUTIVO, LEGISLATIVO, REPÚBLICA FEDERATIVA, ESTADOS, (DF), MUNICÍPIOS, MATRÍCULA, FILHOS, DEPENDENTE, ESCOLA PÚBLICA, EDUCAÇÃO BÁSICA, ENSINO FUNDAMENTAL, ENSINO DE PRIMEIRO GRAU, DEFINIÇÃO, PRAZO MÁXIMO, APLICAÇÃO, NORMAS.
CONFIRAM A TRAMITAÇÃO NO SENADO, ACESSANDO O LINK:
http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Materia/detalhes.asp?p_cod_mate=82166
As conseqüências desse Projeto de Lei seriam fantásticas e poderão mudar a realidade do nosso País, pois, somente obrigando os políticos a colocar seus filhos nas escolas públicas, é que a qualidade do ensino melhoraria extraordinariamente. Quem não sabe que as escolas públicas há muito tempo deixaram de ser o que eram?
Não vamos esquecer os artigos da Constituição Federal:
"Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]"
"Art.205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."
Penso que não é preciso dizer mais nada.
(Juiz do Trabalho, professor universitário e de cursos de pós-graduação. Autor de artigos em revistas jurídicas e jornais, editor do blog: http://direitoetrabalho.com/2009/10/projeto-obriga-politicos-a-matricular-filhos-em-escolas-publicas/ e do Athena de Vento.)
O Senador Cristóvão Buarque apresentou um projeto de lei que, embora bem intencionado, certamente o conduzirá ao Inferno.
O projeto é aquele já referido em diversas discussões, em que se obrigariam os políticos a matricular seus filhos em escolas públicas. Pelos fundamentos o ilustre senador acredita que isso faria melhorar o ensino público.
No entanto não é tão simples assim. Em primeiro lugar esquece o ilustre parlamentar que os filhos de políticos costumam ter uma mãe que pode não ser política. Obrigá-la a algo em virtude do exercício do mandato de seu marido, e ainda com conseqüências na educação de seus pimpolhos, é algo que parece não encontrará guarida na Constituição.
Ainda que assim não fosse se poderia estar gerando um carossel da alegria: obrigados a matricular seus filhos em escolas públicas, com certeza estes mesmos políticos teriam garantidos aos seus rebentos a educação em tais condições durante toda a sua vida estudantil (embora a redação original refira a educação básica). O que corresponderia, por conseguinte, ao ingresso extravestibular nas cobiçadas universidades públicas, as quais, por coincidência, ficam nas capitais de estados e país.
Ou seja os eleitos para parlamentos e executivo estadual, bem como os detentores de cargos federais garantiriam as vagas de seus descendentes nas universidades públicas, o que, se somando a cotistas e outros quetais, excluiria inteiramente a possibilidade de você, cidadão comum, pleitear uma vaga qualquer em uma universidade pública, caindo, literalmente, na privada.
Abaixo o projeto “genial”.
PROJETO DE LEI DO SENADO Nº , DE 2007
Determina a obrigatoriedade de os agentes públicos eleitos matricularem seus filhos e demais dependentes em escolas públicas até 2014.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Os agentes públicos eleitos para os Poderes Executivo e Legislativo federais, estaduais, municipais e do Distrito Federal são obrigados a matricular seus filhos e demais dependentes em escolas públicas de educação básica.
Art. 2º Esta Lei deverá estar em vigor em todo o Brasil até, no máximo, 1º de janeiro de 2014.
Parágrafo Único. As Câmaras de Vereadores e Assembléias Legislativas Estaduais poderão antecipar este prazo para suas unidades respectivas.
JUSTIFICAÇÃO
No Brasil, os filhos dos dirigentes políticos estudam a educação básica em escolas privadas. Isto mostra, em primeiro lugar, a má qualidade da escola pública brasileira, e, em segundo lugar, o descaso dos dirigentes para com o ensino público.
Talvez não haja maior prova do desapreço para com a educação das crianças do povo, do que ter os filhos dos dirigentes brasileiros, salvo raras exceções, estudando em escolas privadas. Esta é uma forma de corrupção discreta da elite dirigente que, ao invés de resolver os problemas nacionais, busca proteger-se contra as tragédias do povo, criando privilégios.
Além de deixarem as escolas públicas abandonadas, ao se ampararem nas escolas privadas, as autoridades brasileiras criaram a possibilidade de se beneficiarem de descontos no Imposto de Renda para financiar os custos da educação privada de seus filhos.
Pode-se estimar que os 64.810 ocupantes de cargos eleitorais – vereadores, prefeitos e vice-prefeitos, deputados estaduais, federais, senadores e seus suplentes, governadores e vice-governadores, Presidente e Vice-Presidente da República – deduzam um valor total de mais de 150 milhões de reais nas suas respectivas declarações de imposto de renda, com o fim de financiar a escola privada de seus filhos alcançando a dedução de R$ 2.373,84 inclusive no exterior. Considerando apenas um dependente por ocupante de cargo eleitoras.
O presente Projeto de Lei permitirá que se alcance, entre outros, os seguintes objetivos:
a) ético: comprometerá o representante do povo com a escola que atende ao povo;
b) político: certamente provocará um maior interesse das autoridades para com a educação pública com a conseqüente melhoria da qualidade dessas escolas.
c) financeiro: evitará a “evasão legal” de mais de 12 milhões de reais por mês, o que aumentaria a disponibilidade de recursos fiscais à disposição do setor público, inclusive para a educação;
d) estratégica: os governantes sentirão diretamente a urgência de, em sete anos, desenvolver a qualidade da educação pública no Brasil.
Se esta proposta tivesse sido adotada no momento da Proclamação da República, como um gesto republicano, a realidade social brasileira seria hoje completamente diferente. Entretanto, a tradição de 118 anos de uma República que separa as massas e a elite, uma sem direitos e a outra com privilégios, não permite a implementação imediata desta decisão.
Ficou escolhido por isto o ano de 2014, quando a República estará completando 125 anos de sua proclamação. É um prazo muito longo desde 1889, mas suficiente para que as escolas públicas brasileiras tenham a qualidade que a elite dirigente exige para a escola de seus filhos.
Seria injustificado, depois de tanto tempo, que o Brasil ainda tivesse duas educações – uma para os filhos de seus dirigentes e outra para os filhos do povo –, como nos mais antigos sistemas monárquicos, onde a educação era reservada para os nobres.
Diante do exposto, solicitamos o apoio dos ilustres colegas para a aprovação deste projeto.
Sala das Sessões,
Senador CRISTOVAM BUARQUE
Fonte: DireitoeTrabalho.com
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Luiz Carlos Nogueira, informa e comenta:
PLS - PROJETO DE LEI DO SENADO, Nº 480 de 2007
Autor: SENADOR - Cristovam Buarque
Ementa: Determina a obrigatoriedade de os agentes públicos eleitos matricularem seus filhos e demais dependentes em escolas públicas até 2014.
Data de apresentação: 16/08/2007
Situação atual: Local: 02/09/2009 - Comissão de Constituição, Justiça e CidadaniaSituação: 17/04/2009 - AGUARDANDO INSTALAÇÃO DA COMISSÃO
Indexação da matéria: Indexação: FIXAÇÃO, OBRIGATORIEDADE, AGENTE PÚBLICO, OCUPANTE, CARGO ELETIVO, EXECUTIVO, LEGISLATIVO, REPÚBLICA FEDERATIVA, ESTADOS, (DF), MUNICÍPIOS, MATRÍCULA, FILHOS, DEPENDENTE, ESCOLA PÚBLICA, EDUCAÇÃO BÁSICA, ENSINO FUNDAMENTAL, ENSINO DE PRIMEIRO GRAU, DEFINIÇÃO, PRAZO MÁXIMO, APLICAÇÃO, NORMAS.
CONFIRAM A TRAMITAÇÃO NO SENADO, ACESSANDO O LINK:
http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Materia/detalhes.asp?p_cod_mate=82166
As conseqüências desse Projeto de Lei seriam fantásticas e poderão mudar a realidade do nosso País, pois, somente obrigando os políticos a colocar seus filhos nas escolas públicas, é que a qualidade do ensino melhoraria extraordinariamente. Quem não sabe que as escolas públicas há muito tempo deixaram de ser o que eram?
Não vamos esquecer os artigos da Constituição Federal:
"Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]"
"Art.205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."
Penso que não é preciso dizer mais nada.